sábado, outubro 02, 2004

Sentimentos

O seguinte poema, realça de forma notória aquilo a que podemos chamar a "teoria geral do sentimento". Este é para todos os meus amigos, especialmente para aqueles que, partilharam comigo a sua vida num país distante. (Voçês sabem quem)

"Conheci tipos que viveram muito.
Estão mortos, quase todos: de suicídio, de cansaço,
de álcool, da obrigação de viver
que os consumia. Que ficou de suas vidas?
Que mulheres os lembram com a nostalgia de um abraço?
Que amigos falam ainda, por vezes, para o lado, como se eles estivessem à sua beira?

No entanto, invejo-os. Acompanhei-os
em noites de bares e insônia até ao fundo
da madrugada; despejei o fundo dos seus copos,
onde só os restos de vinho manchavam
o vidro; respirei o fumo dessas salas onde as suas
vozes se amontoavam como cadeiras num fim
de festa. Vi-os partir, um a um, na secura
das despedidas.

E ouvi os queixumes dessas a quem
roubaram a vida. Recolhi as suas palavras em versos
feitos de lágrimas e silêncios. Encostei-me
à palidez dos seus rostos, perguntando por eles - os
amantes luminosos da noite. O sol limpava-lhes
as olheiras; uma saudade marítima caía-lhes
dos ombros nus. Amei-as sem nada lhes dizer - nem do amor,
nem do destino desses que elas amaram.

Conheci tipos que viveram muito - os
que nunca souberam nada da própria vida."

Nuno Júdice


Lógico que não são voçês os que nunca souberam nada da própria vida mas sim os que viveram muito...